Pelo menos meio milhão de pessoas sofrem diariamente com o racionamento de água em Minas Gerais. Em nove cidades do Estado, moradores ficam de um a três dias sem abastecimento e precisam economizar água nas tarefas mais cotidianas, como banho e limpeza. Os dias de racionamento são atualizados cotidianamente no site da Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa). Em Montes Claros, no Norte de Minas – município mais atingido –, são mais de 400 mil afetados. A cidade, que sofre com a falta de água há mais de um ano, conforme a Copasa, decretou, inclusive, situação de emergência no último dia 16. 

O principal motivo da crise hídrica é a estiagem dos últimos anos, que diminuiu o nível das captações superficiais em mananciais, rios, represas e lagos. “Falta água em toda a cidade. Tem bairro que fica até três dias sem abastecimento, e as pessoas não podem nem dar descarga”, desabafou a comerciante do município Edileusa Vieira, 46.

Além de Montes Claros, o problema afeta os municípios de Águas Vermelhas, Divisa Alegre e Pedra Azul, no Vale do Jequitinhonha; Capitão Enéas e Pai Pedro, no Norte de Minas; Arcos, no Centro-Oeste; Campos Gerais, no Sul; e Sardoá, na região do Rio Doce. 

Para minimizar os danos do racionamento, os moradores estão mudando os hábitos. “Aqui, na padaria, por exemplo, eu costumava lavar a minha área de produção uma vez por semana. Agora faço isso de 15 em 15 dias. Lavava da parede ao chão. Não posso mais fazer isso, senão falta água para o resto da cidade”, disse João Antônio, 54, dono de uma padaria em Águas Vermelhas.

Análise. O presidente do Fórum Mineiro de Comitês de Bacia Hidrográfica, Marcus Vinícius Polignano, explicou que cerca de 85% do período chuvoso no Estado acontece no verão. Segundo Polignano, além da escassez de chuvas, o desmatamento é um fator que tem agravado a questão hídrica em todas as regiões de Minas, em especial no Norte e no Vale do Jequitinhonha. 

“Como a vegetação é retirada, a água não é absorvida pelo solo, e passamos a ter rios de verão, que é quando chove”, disse o especialista. Isso significa que a água não é “mantida” no solo pelas raízes da vegetação, o que provoca desabastecimento.

Outro problema apontado por Polignano que tem agravado a situação é o aumento do número de poços artesianos em locais que historicamente passam por crises hídricas durante o inverno. “No Norte de Minas e no Vale do Jequitinhonha, que já são regiões mais frágeis, se desmatou para fazer pasto e carvão”, apontou. Segundo Polignano, os poços sugam a água do lençol freático, que se aprofunda. Quanto mais longe da superfície o lençol se posiciona, mais complicado é o reabastecimento de mananciais da superfície, como os rios e as nascentes. (Com Ailton do Vale)

 BH e região têm água garantida

A Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa) informou que não há risco de racionamento de água em Belo Horizonte nem nas cidades da região metropolitana, onde estão cerca de 5,8 milhão de pessoas. A situação é de tranquilidade até pelo menos a chegada do período chuvoso de 2018, de acordo com a companhia. A Copasa explicou que o grande diferencial no abastecimento da região metropolitana é a captação do rio Paraopeba, que começou a ser feita em dezembro de 2015 para que fosse poupada a água armazenada nos reservatórios de Rio Manso, Serra Azul e Várzea das Flores. 

Desde então, já foi possível acumular 190 bilhões de litros de água, volume três vezes superior ao total de água acumulada nas represas. A companhia afirma que, sem essa obra, o problema também se alastraria para a capital e os municípios vizinhos. 

Apesar disso, na avaliação do Presidente do Fórum Mineiro de Comitês de Bacia Hidrográfica, Marcus Vinícius Polignano, se o sistema não for ampliado, daqui a dez anos a situação pode se agravar. “O sistema do rio Paraopeba ainda tem uma quantidade razoável de armazenamento, mas o sistema do rio das Velhas está caminhando para situação de alerta. Se não cuidarmos do solo e protegermos as nascentes, teremos quadros críticos de desabastecimento”, analisou.

Prefeituras

Resposta. As prefeituras de Divisa Alegre e Montes Claros confirmaram o desabastecimento. As demais não atenderam as ligações da reportagem nesta quinta-feira (26).

Saiba mais

Estiagem. A região metropolitana de São Paulo não tem chuva há cem dias. A última, segundo o Inmet, aconteceu em 16 de abril. Desde então, não houve nenhuma chuva acima de 10 milímetros. O sistema Cantareira, responsável pelo abastecimento de 40% da Grande São Paulo, está com apenas 40,4% de sua capacidade. O governo do Estado, no entanto, garante que não vai faltar água.