'Por que ele não fez só com ele', questiona-se mãe de vigia
Em conversa com a repórter Aline Diniz, a irmã de Damião Santos conta como foi a noite anterior dele
A promessa de Damião Soares dos Santos, de 50 anos, na última quinta-feira, era voltar para a casa da mãe, uma senhora de 85 anos, para o almoço. O homem que colocou fogo na creche Gente Inocente, em Janaúba, no Norte de Minas, passou a noite anterior ao crime na companhia de seus parentes, sem apresentar nenhum comportamento estranho.
"Ele dormiu lá (na casa da mãe). Foi normal. Ele deu conselhos para um outro irmão meu", conta a irmã caçula do vigia, Simone Soares dos Santos Cardoso, de 42 anos. Vice-diretora de uma escola da cidade, ela diz que a família ainda não conseguiu encontrar explicações para a atitude do irmão. "A todo momento ela (minha mãe) fala: meu filho não poderia ter feito isso, não dessa forma. Por que ele não fez só com ele", revela chorando. Antes de sair da casa da mãe, Damião passou mal. Ele teve vômitos, mas mesmo assim não desistiu de ir até a creche.
Além de lidar com a perda de um ente querido, os parentes do vigia sentem a dor que se abateu sobre Janaúba. "Um pedido de desculpas (para as famílias das vítimas) seria muito pouco. Eu sinto muito, muito, muito a mesma dor", completa a irmã.
A tristeza de Simone fica ainda maior porque ela convive com as famílias que perderam crianças. "São pessoas que eu conhecia, são pessoas amigas. Irmãozinhos de alunos da minha escola", lamenta. A educadora conta ainda que Santos, apesar de morar sozinho, não apresentava nenhum comportamento estranho. Ele tinha o costume de se vestir bem, passear e também namorar. Em 2014, a família passou uma situação difícil, quando o vigia denunciou que a mãe lhe dava veneno. No entanto, a fase ruim passou. "Ele pediu desculpas. Ele era um filho muito amado por ela", completa.
Em meio a tanta dor, a família ainda não conseguiu processar a morte de um dos onze irmãos de Simone. "A gente parece que não acordou de um pesadelo", explica a vice-diretora. Os familiares não compareceram ao velório do vigilante em respeito às famílias das crianças e adultos que morreram em decorrência do incêndio. No entanto, orações por Damião e por todas as vítimas são feitas a todo momento. " A gente espera a misericórdia de Deus, a partir deles (da população). Que a misericórdia de Deus caia sobre todos nós", finaliza Simone.
Confira a entrevista completa:
Como está a família neste momento?
Sem chão. A todo momento a gente se pergunta o que foi isso, não tem como explicar. A gente parece que não acordou ainda de um pesadelo. Nós estamos nos sentindo assim, com o coração partido, apertado. Todos sofrendo. E é uma dor imensa porque são muitas vítimas. São pessoas que eu conhecia, são pessoas amigas. Irmãozinhos de alunos da minha escola. São pessoas que a gente sabe que estão sofrendo muito, e a gente sofrendo junto também.
Seu irmão estava passando por alguma dificuldade? Algum problema psicológico?
O que eu sabia é que ele tinha tido um comportamento estranho há um tempo atrás. Quando ele denunciou minha mãe, falando que ela estaria colocando veneno para ele. Mas, em seguida, ele aparentava estar super bem. Era isso que ele aparentava. Aparecia bem vestido, passeando, com namoradas. Então a gente não imaginava. Que a gente soubesse, ele não tomava nenhum medicamento.
Como era o relacionamento dele com a família?
Ultimamente ele não estava vindo na minha casa, tem muito tempo que ele veio. Mas as vezes que a gente se encontrava nos locais, a gente conversava. A última vez que eu o vi foi em um posto de saúde. Ele estava consultando por problemas de saúde normais.
Como ficou o relacionamento com a mãe?
Ele procurava a mãe de vez em quando, o que nos deixava muito felizes. Ele pediu perdão (por causa da denúncia). Ficou tudo bem. A gente só foi ter noticia dele com problemas de saúde novamente de segunda-feira em diante. Foi uma coisa muito inédita. Ele sempre foi um filho muito querido por ela, a gente pensa que é coisa psicológica mesmo.
Como foi o último contato com a família?
Ele passou a noite lá (na casa da minha mãe). Ele dormiu lá de quarta para quinta. Foi normal, ele inclusive deu conselhos para o meu outro irmão que mora lá. Mas me relataram que ele amanheceu passando muito mal, com muitos vômitos. Me falaram que ele tinha queixado problemas de saúde e, por isso, não estava trabalhando. Antes de sair, ele falou que voltaria para o almoço.
O que a senhora acha que aconteceu?
É uma coisa inexplicável. Não dá para imaginar, não tem explicação. Ele saiu da casa dela (mãe) falando que estava indo ver como estava a casa (dele) e dizendo que precisava ir até a escola.
Como foi a infância dele?
Eu sou a caçula, então não sei dizer. Nunca ouvi dizer nada de estranho.
O que vocês gostariam de falar para as famílias que estão sofrendo com a tragédia?
Um pedido de desculpas seria muito pouco, enquanto membro da família eu sinto muito, muito, muito a mesma dor. Não era porque ele era meu irmão de sangue que eu estou sentindo a dor. Estou sentindo a dor de todos. Foi uma coisa muito grande, foi uma coisa que qualquer ser humano se sente mal, se sente com o coração partido. A minha dor é por todos, é pela situação. A dor da perda dele a gente nem conseguiu sentir ainda. A minha mãe de 85 anos não conseguiu sentir a dor da morte dele. A todo momento ela fala: 'meu filho não poderia ter feito isso, não dessa forma. por que ele não fez só com ele'. É muito triste ouvir uma mãe falar isso do próprio filho. A gente espera a misericórdia de Deus, a partir deles (da população). Que a misericórdia de Deus caia sobre todos nós.
Por que vocês não foram no enterro?
A gente não esteve no enterro porque é uma situação que a gente respeita a dor de todo mundo. Não foi só por medo da reação daqueles que estão revoltados, foi realmente também em respeito às vitimas, ao sofrimento das pessoas. A família está reunida, está em oração. A maioria da família é de pessoas religiosas.