Tirar carteira de motorista pode ficar mais demorado e caro
Mudanças devem ser apresentadas ao Contran até fim do mês; ideia é aumentar segurança no trânsito
Um grupo de trabalho envolvendo 19 órgãos de trânsito e da sociedade civil estuda 15 propostas que prometem representar a maior reestruturação no processo para primeira habilitação no país. Em fase final de debate, a resolução deve ser concluída até o dia 31 e enviada em seguida para análise do Conselho Nacional de Trânsito (Contran). Caso ela seja aprovada, as mudanças começam a valer em 180 dias. O objetivo é melhorar os índices de aprovação dos condutores. No ano passado, 66% dos candidatos foram reprovados em Minas; em Belo Horizonte, foram 68% – percentuais que se mantêm nos últimos anos e no resto do país.
Entre as principais alterações em debate na Câmara Temática de Educação para o Trânsito, Habilitação e Formação do Condutor, do próprio Contran, está a reestruturação das formações teórica e prática dos motoristas. Pode haver aumento das atuais 25 horas-aula hoje exigidas nas ruas (cinco delas são com o simulador de direção) e mudanças no modo como a teoria é ministrada aos futuros condutores. Responsável pela área de educação da ONG Observatório Nacional de Segurança no Trânsito, que participa do debate, a pedagoga Roberta Mantovani explica que recursos multimídias devem passar a fazer parte do processo de formação.
“Alguns centro de formação já utilizam esse processo, mas precisamos criar um processo educacional padrão envolvendo teoria, aulas em simuladores e a prática”, diz. Segundo ela, os vídeos terão conteúdos educativos, mostrando, por exemplo, a melhor maneira de se evitar um acidente em situações adversas. “Também precisamos incluir nos cursos um padrão nacional, mostrando aos condutores a diferença entre dirigir no Sul do país, principalmente no período de frio, e nos demais Estados”, exemplifica Roberta Mantovani.
“O objetivo é melhorar a qualidade do nosso condutor e salvar vidas. Temos que deixar de ter uma formação tecnicista para uma formação mais humanista”, explica o presidente da câmara temática, Francisco Vieira Garonce. “O motorista tem que entender que ele não pode ultrapassar os limites de velocidade e deixar de parar em uma parada obrigatória não porque ele pode ser punido com uma multa, mas porque pode matar ou morrer”, declara Garonce.
Também estão sendo debatidas formas de melhorar a qualificação dos próprios instrutores. O treinamento de motociclistas fora de circuitos fechados deve tornar-se obrigatório. E o sistema de adição de categorias deve passar por mudanças.
As alterações devem implicar aumento no custo de todo o processo de habilitação, hoje em torno de R$ 2.000, mas nenhuma das fontes ouvidas pela reportagem quis falar em valores.
Câmeras
Teste. Há quatro anos, o Detran-MG fez testes com câmeras acopladas nos veículos durante os exames de rua para garantir mais lisura ao processo, mas a medida não chegou a ser implantada por causa do alto custo. Não há lei que obrigue a instalação.
TREINAMENTO Candidatos acham tempo insuficiente
Alessandro Luís da Silveira, 19, nunca tinha pegado em um volante até sua primeira aula prática. O estudante, reprovado duas vezes, acredita que as 25 horas-aulas mínimas exigidas não são suficientes para um iniciante. “Fui fazer o exame bastante inseguro. Claro que eu queria passar, mas no fundo eu sabia que tinha poucas chances”, admite.
A estudante Giovanna Brumado, 22, acha o número de aulas insuficiente, mas teme que a mudança encareça o processo. “Tenho que passar logo. Já está muito caro. Tem que melhorar sim, mas não pode ficar mais caro”, diz. (GC)
PARA LEMBRAR
50 mil é o número de mortos no trânsito por ano no Brasil.
90% dos acidentes são por falha humana, segundo a ONG Observatório Nacional de Segurança no Trânsito.
68% dos candidatos foram reprovados em 2016 em BH.
SAIBA MAIS
» Entre as 15 mudanças que devem ser apresentadas ao Contran no início de abril, algumas ainda estão muito no campo teórico, como alterações na formulação das questões teóricas e na formação dos condutores.
» No entanto, há algumas alterações práticas já definidas, como na adição de categorias na CNH. Atualmente, o motorista que tem a carteira B (automóveis) e quer tirar a carteira D (veículo motorizado usado no transporte de passageiros, com lotação superior a oito lugares além do motorista, como ônibus e vans) ganha automaticamente a categoria C (veículo motorizado usado para transporte de carga, com peso bruto superior a 3.500 kg). A proposta é obrigar o candidato a fazer também exames específicos para a categoria C. Quem tem a C e quer tirar a E (carretas) ganha a categoria D. Com a mudança, esses motoristas terão que fazer os exames específicos para a categoria D.
ATUALMENTE Para especialistas, formação é fraca
Mudanças no processo de formação de condutores já eram defendidas por especialistas ligados ao trânsito. As regras atuais no país, em vigor desde 2004, sofreram poucas alterações significativas de lá para cá. A obrigatoriedade do uso do simulador e o aumento da carga horária (de 20 para 25 horas-aula) são algumas delas.
“Já havíamos enviado sugestões de mudanças nesse processo às autoridades competentes. Minas está dentro da média nacional, com cerca de 30% de aprovação. Mas nós também entendemos que o índice está baixo. Deveria ser em torno dos 60%”, avalia Wagner Félix, coordenador de Registro Nacional de Carteira de Habilitação do Detran-MG. O Detran-MG é representado na Câmara Temática para o Trânsito pelo Detran de Santa Catarina dentro de um rodízio padrão. A reportagem tentou a média nacional de aprovação, mas Contran e Denatran não têm esse dado.
“É fundamental investir na formação do condutor e do instrutor. O motorista não é preparado para o risco. A percepção de risco não é tratada, o que contribuiu para muitos acidentes. A formação atual é fraca”, diz o gerente técnico da ONG Observatório Nacional de Segurança Viária, Renato Campestrini.
Presidente do Sindicato dos Proprietários de Centros de Formação de Condutores de Minas Gerais (SiproCFC), Alessandro Dias também defende mudanças no processo. “Os filhos estão tirando carteira da mesma maneira que os pais tiraram há 40 anos. As pessoas são treinadas para receber o documento, e não para aprender a dirigir”, comparou. (GC)
(Fonte: GLÁUCIO CASTRO O Tempo)