Lei proíbe tratamento contrário à vontade de dependente em MG
Acolhimento em comunidade terapêutica só pode ser feito com consentimento do paciente
As comunidades terapêuticas de Minas Gerais só poderão acolher dependentes químicos que aderirem ao tratamento de forma voluntária e que forem encaminhados pela rede pública de saúde, após a avaliação médica.
A regra está na lei 22.460, sancionada no último sábado (24) pelo governador Fernando Pimentel e que regula a atuação dessas entidades.
A internação compulsória, aquela sem consentimento do dependente, mas com ordem judicial, ocorria nas comunidades. Porém, de acordo com a Secretaria de Estado de Saúde (SES), a contragosto das entidades.
“Além de ser infrutífero do ponto de vista clínico, é descabido que as pessoas sejam internadas contra a sua vontade e sem direito de ir e vir”, disse o deputado Antônio Jorge, autor do projeto sancionado pelo governador.
O pastor Wellington Vieira, presidente do Centro de Recuperação a Dependência Química (Credeq), em Belo Horizonte, considera a lei um avanço, mas acredita que faltou diálogo na construção do texto. “A comunidade terapêutica não é um equipamento de saúde, mas, sim, de interesse da saúde. Somos um local de acolhimento, de reinserção da pessoa à família, à comunidade e ao mercado de trabalho”, disse.
Análise.
O professor adjunto de psiquiatria da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Frederico Garcia, afirmou que esse tipo de estabelecimento não poderia fazer internação, seja voluntária, involuntária (sem o consentimento do dependente, mas com indicação médica) ou compulsória. “A função dela (comunidade) não é hospitalizar porque isso só pode ser feito em entidade de saúde”, explicou. A própria abstinência total, adotada em muitas comunidades, pode oferecer riscos, segundo o especialista. “Ele pode ter uma convulsão durante a crise e morrer”, argumentou Garcia.
No Estado, existem 217 leitos de hospital geral em 51 municípios voltados para a internação de dependentes químicos, além de 975 leitos psiquiátricos em funcionamento e cerca de outros cem credenciados como psiquiátricos em hospitais gerais, segundo a SES. “Faltam vagas e há despreparo das equipes, por isso, muitas famílias reconhecem as comunidades como local para internar o paciente, o que é um erro conceitual”, ressaltou Garcia.
A SES não deu dados atualizados dos últimos anos, mas informou que, em abril de 2015, havia uma demanda de aproximadamente 800 solicitações de internações compulsórias, o que teria sido reduzido pela metade atualmente.
Existem hoje cerca de 800 comunidades terapêuticas regularizadas no Estado, entre credenciadas e não credenciadas em programas dos governos. Em geral, o paciente fica nove meses em um processo de recuperação que envolve religiosidade e exige a abstinência total. Ele pode, entretanto, sair a qualquer momento. “É proibida a portaria e qualquer medida de contenção”, disse Robert William de Carvalho, que está à frente da criação do Sindicato das Clínicas de Tratamento, Comunidades Terapêuticas e Hospital Dia de Minas Gerais (Sindterapêutica-MG).
As internações involuntária ou compulsória continuam permitidas pela Lei 10.216/ 2001 em hospitais e unidades de saúde especializadas, apesar da falta de estrutura física e humana, segundo especialistas.
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ATRASOS
Estado garante que vai manter serviços
As comunidades terapêuticas vinculadas ao governo do Estado estão preocupadas com a conservação dos programas de apoio às entidades. Segundo os espaços, o cartão Aliança pela Vida, que financia internações, está com pagamentos atrasados, e há dúvidas quanto à renovação dos contratos da Rede Complementar de Atenção ao Dependente Químico, que vencem ainda neste ano. O Estado, no entanto, garante a continuidade do financiamento.
“O governo não tem uma política sobre drogas definida. Não há expectativa de o programa Rede Complementar ser renovado. Se isso acontecer, não só a minha, mas várias comunidades terapêuticas terão que ser fechadas”, disse o pastor Wellington Vieira, à frente do Centro de Recuperação a Dependência Química (Credeq), na região Leste de Belo Horizonte, onde 50 pessoas estão em tratamento.
Na Associação Terra da Sobriedade, em Venda Nova, o convênio que permite que o local ofereça vagas gratuitas de tratamento também será finalizado em 31 de dezembro. “Não sei ainda o que vamos fazer”, disse uma funcionária.
Segundo a Secretaria de Estado de Saúde, responsável pelo Aliança pela Vida, os pagamentos atrasados estão sendo regularizados. Já a Secretaria de Estado de Segurança Pública, responsável pelo Rede Complementar, declarou que o convênio será renovado e um novo edital de chamamento de entidades será publicado. Segundo a pasta, há previsão de aumento de vagas.
A Federação Brasileira de Comunidades Terapêuticas em Minas é contra a lei por ela estabelecer a rede pública de saúde como a única porta de entrada do paciente ao tratamento nesses locais.