Itinga é inserida em pesquisa da Visão Mundial sobre violência
De tão rotineira, violência passa a ser algo natural para crianças. Estudo feito com 1.404 jovens de 8 a 17 anos mostrou que maioria convive com ameaças e palmadas
A violência urbana põe medo em muita gente grande, mas como será que se sentem as crianças? Poucos param para pensar, mas desde bem pequenas elas escutam a conversa dos pais, o noticiário e já conseguem entender o que acontece ao seu redor. Muitas se tornam vítimas de abusos e assaltos.
Uma pesquisa feita pela Organização Não Governamental (ONG) Visão Mundial e pelo Instituto Igarapé mostrou que esse público já nasce com direitos violados e convive com uma educação à base da força física. De tão presente, entretanto, o que não deveria ser normal tende a se naturalizar, e só 1% dos entrevistados se dizem muito inseguros. No país, 69% têm alta percepção de segurança.
O Índice de Segurança da Criança foi coletado entre setembro de 2015 e março deste ano e reuniu 1.404 meninos e meninas de 8 a 17 anos, de 12 municípios brasileiros onde a ONG Visão Mundial atua – a pesquisa não representa o Brasil todo, mas, sim, o grupo pesquisado.
Todas as cidades têm altos índices de vulnerabilidade social, o que inclui capitais como Recife e Salvador e localidades pequenas do interior. Em Minas, a única inserida foi Itinga, no Vale do Jequitinhonha, a segunda menor entre as pesquisadas, com 14 mil habitantes.
É em Itinga onde crianças e adolescentes se sentem mais seguros, em comparação com o público das outras localidades pesquisadas. Dos 120 entrevistados lá, 94% se disseram muito seguros, o que supera o índice nacional (69%).
Os outros 6% de meninos e meninas de Itinga também se sentem tranquilos, mas em nível “médio”. Nenhuma criança da pequena cidade mineira declarou ter baixa percepção de segurança, o que pode ser chamado de “muito inseguro”, enquanto no Brasil, dos 1.404 pesquisados, 1% se definiu assim (cerca de 14 pessoas).
“Os principais resultados demonstram que as crianças se sentem seguras, ao mesmo tempo em que dizem sofrer violência dentro de casa, na escola e na comunidade. Isso mostra que a percepção da violência é muito invisível por parte delas, é tão rotineiro, tão comum, algo que todo mundo faz, que passa a ser incorporada, naturalizada”, avalia a assessora de Proteção à Infância da ONG Visão Mundial e estudiosa em violência e saúde, Karina Lira.
Ela se refere não só à violência urbana, como assaltos e homicídios, presentes em grandes e pequenas cidades, mas à agressão que começa dentro de casa, com xingamentos, palmadas ou com o trabalho infantil, e se repete na escola e na comunidade onde vivem.
Ciclo.
“Se crianças e adolescentes, que representam um terço da população do Brasil e são vulneráveis, não conseguem entender que são vítimas, o ciclo da violência tende a continuar com eles e se reproduzir também na vida interpessoal e futura de cada um”, diz Karina.
O estudo mostra ainda o óbvio: quanto maior a cidade, maior a sensação de insegurança. Recife, Maceió e Salvador tiveram os piores índices entre os lugares analisados na pesquisa.
A casa ainda é o lugar mais protegido – 84% do público infantil se sente sempre seguro no lar. Na comunidade e na escola, esse percentual cai para 62%, e 9% nunca se sentem tranquilos nesses ambientes.
A sensação de medo ou segurança não variou entre meninos e meninas, mas, quanto maior a idade, maior a insegurança.
“A gente fala muito de violência pública, mas não fala como ela impacta as crianças. É como se elas não existissem”, avalia a especialista. Karina conclui que, para romper com o ciclo de violência, “é preciso construir o novo”, ou seja, uma educação sem violência. Para isso, o otimismo natural das crianças conta muito: 86% acredita que será feliz quando crescer.
Vulnerabilidade
De janeiro a junho deste ano, 20.456 crianças e adolescentes sofreram violências física, sexual ou psicológica em Minas, sendo 1.897 em Belo Horizonte.
A agressão física é a mais comum, seguida da psicológica e do abuso sexual. No mesmo período, 225 vítimas no Estado e 34 na capital morreram por causa de violência.