Agricultores da comunidade Cabeceira do Piabanha, no Vale do Jequitinhonha, estão à beira de um conflito agrário devido à não regularização fundiária da unidade e a pressão dos proprietários da terra, que não teriam sido indenizados pelo Estado. Para solucionar a questão, foi proposto, nesta terça-feira (12/7/16), em audiência na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), discutir o caso pela Mesa de Diálogo e Negociação Permanente com Ocupações Urbanas e Rurais, do Governo de Minas.

O requerimento que aciona a mesa de diálogo é dos deputados petistas Doutor Jean Freire, que solicitou o debate, e Rogério Correia e será apreciado na próxima reunião da Comissão de Participação Popular. “A mesa tem representantes de todas as instâncias e também faz a análise ambiental para ver a melhor solução”, justificou Correia.

A comunidade fica nas terras do Parque Estadual Alto Cariri, nos municípios de Salto da Divisa e Santa Maria do Salto. A audiência tratou também do Projeto de Lei (PL) 1.480/15, do deputado Carlos Pimenta (PDT), que altera os limites do parque, substituindo a área onde estão as 12 famílias por outra desabitada. Segundo os moradores, há interesse minerário no local a ser desafetado, onde foram mapeadas jazidas de grafite.

O Parque Estadual Alto Cariri foi criado pelo Decreto 44.726, de 2008, englobando uma área habitada, o que não é permitido nesse tipo de unidade de conservação. A justificativa do PL 1.480/15 menciona, justamente, que a desafetação dessa área resolveria a questão social, o que foi também o entendimento trazido à audiência pelo representante do Instituto Estadual de Florestas (IEF), Paulo Fernandes Scheid.

Entretanto, os moradores apontam que o pedido de exploração das jazidas, feito pela Nacional Graffite, está arquivado à espera da solução com as famílias. “Por isso o proprietário tem pressa”, afirmou Edivaldo Ferreira Lopes, coordenador da Comissão Pastoral da Terra (CPT) em Minas Gerais.

Herdeiro afirma querer concluir inventário

Olinto Herculano Pimenta, esposo da herdeira da fazenda, descartou qualquer relação com a Nacional Graffite. Ele justificou que seu sogro faleceu em 1999 e que os três herdeiros querem concluir o inventário. “Ninguém quer ficar com uma área onde há pessoas morando”, afirmou.

Por isso, de acordo com Olinto Pimenta, a família buscou trocar a área em um projeto de lei e também tentou fazer acordo com o que chamou de “agregados” da fazenda. Esse acordo, porém, é qualificado como pressão e intimidação pelos moradores. Segundo eles, já houve, inclusive, um conflito direto com outro herdeiro, com agressões físicas e ameças a integrantes da CPT, o que necessitou de intervenção policial.

A defensora pública especializada em Direitos Humanos, Coletivos e Socioambientais, Ana Cláudia da Silva Alexandre, citou também que os herdeiros ingressaram com notificação extrajudicial para a saída das famílias. Ela e os deputados frisaram que Olinto Pimenta não pode negociar com as famílias, tendo em vista que se trata de um parque estadual, com área subordinada ao Estado.

“Fomos notificados para sair em 30 dias e nem sabemos se o documento é verdadeiro. Nós estamos em um parque e não dá para acertar as coisas no meio do mato”, reiterou o representante dos moradores, Nivaldo Moraes Nascimento.

Titularidade – O diretor de Promoção e Defesa da Cidadania no Campo da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Agrário (Seda), Aldenir Vianna Pereira, afirmou que a propriedade das terras pela família Pimenta está sendo analisada.

Aldenir Pereira explicou que documentos comprovam a posse de 800 hectares (ha), mas os registros anteriores do terreno falam em 1.800 ha. “Ainda não fizemos o levantamento sobre a localização dos 800 ha”, destacou. Pereira afirmou que a Seda enviará um técnico ao local para averiguar a questão.

Participantes relatam riscos para o meio ambiente

A desafetação da área da comunidade Cabeceira do Piabanha dos limites do parque pode trazer riscos para o abastecimento de água na região, inclusive em áreas urbanas. O alerta foi feito por Amanda Couto Medeiros, do Núcleo de Extensão em Desenvolvimento Territorial do Instituto Federal do Norte de Minas.

Com a ajuda de mapas, ela mostrou que o córrego Piabanha, um dos principais cursos d'água do parque, assim como várias de suas nascentes, estão na área ocupada e, portanto, ficariam fora do parque.

Moradores relataram que o córrego segue limpo até a Nacional Graffite e, a partir daí, corre fraco e poluído por rejeitos da mineração. Frei Gilvander Luís Moreira, da CPT, denunciou, inclusive, que a mineradora represou a água, comprometendo o abastecimento do Assentamento Dom Luciano Mendes, em Salto da Divisa.

Frei Gilvander criticou também a intenção manifestada por Olinto Pimenta, durante a audiência, de criar gado em parte da área onde estão as famílias. “Se as nascentes não forem preservadas, toda a cidade vai sofrer”, afirmou.

O assessor da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Minas Gerais (Fetaemg), Eduardo Nascimento, criticou o Estado por, ao longo dos anos, acumular um passivo de 340 mil ha de unidades de conservação não indenizadas. Ele sugeriu que a área das famílias seja transformada em unidade de uso sustentável, que permite a presença humana.

“Esse povo tem que ser considerado cuidador do parque”, completou Doutor Jean Freire, salientando que a comunidade vive na região há mais de 60 anos. Ele e Rogério Correia propuseram também vários outros requerimentos, entre os quais um para que as Polícias Militar e Civil atuem preventivamente na área e outros dois de visitas ao IEF e à comunidade Cabeceira do Piabanha.