Araçuaí – Uma das principais cidades do Jequitinhonha, Araçuaí, com 36 mil habitantes, iniciou o milênio apostando na melhoria de vida. A esperança surgiu no rastro da instalação de dois projetos de uma cooperativa agrícola: um voltado para o processamento de frutas e outro, uma fábrica de cachaça, ambos financiados com recursos públicos e que tinham como objetivo gerar empregos e elevar a renda dos pequenos produtores da região. Com a mesma perspectiva, foi iniciado um projeto de criação de peixes na barragem do Calhauzinho. A alegria durou pouco, pois as três iniciativas fracassaram, provocando perdas de recursos públicos e prejuízos para os agricultores.

Há sete anos, o complexo agroindustrial da Cooperativa Fruta Boa está parado, com o maquinário depreciado pela ação do tempo. Parte da estrutura do empreendimento é aproveitada como garagem e depósito de materiais descartados pela prefeitura, como carteiras quebradas, computadores velhos, além de máquinas antigas e sucatas de carros.


Não se sabe ao certo o volume de recursos públicos investidos nos dois empreendimentos instalados em ação coordenada pelo Ministério da Integração Nacional. Consultada, a pasta não conseguiu localizar os arquivos sobre o projeto. Mas as empoeiradas placas na antiga sede da Fruta Boa informam que, somente na fábrica de cachaça, foram aplicados recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) da ordem de R$ 2,8 milhões, sendo R$ 1,5 milhão para a unidade de produção e R$ 1,3 milhão no galpão da parte de engarrafamento – que teve a cobertura derrubada por uma tempestade pouco depois de erguido – e na compra de um caminhão-tanque que nunca chegou a rodar.

 

O projeto da Unidade de Produção, Homogeneização, Armazenagem, Engarrafamento e Comercialização de Cachaça de Alambique foi inaugurado em 16 de agosto de 2007, com a presença do então ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima. Na época, foi dado início ainda a um projeto de comercialização de gemas (pedras preciosas) no aeroporto de Araçuaí, que também não prosperou.

Prejuízo 

A proposta do Fruta Boa era banana, manga, abacaxi, coco e mamão, estimulando essas culturas na região. “A expectativa era que as coisas em Araçuaí mudariam porque a gente teria condições de produzir e vender o nosso produto”, afirma Antônio Nilton Almeida, um dos 100 agricultores de Araçuaí que investiram no projeto e se deram mal. “Fizemos financiamentos para aumentar a nossa produção. Não vendemos quase nada e ficamos endividados”, conta, acrescentando que se viu obrigado a vender suas vinte cabeças de gado para pagar dívidas bancárias. Ele aponta a falta de planejamento como motivo do fracasso.

Um dos idealizadores da unidade de processamento de frutas e da produção de cachaça da cooperativa Fruta Boa, Heiner Busselmann (alemão, naturalizado brasileiro) afirma , por sua vez, que os projetos não tiveram êxito por causa da “má gestão” por parte dos próprios agricultores que assumiram a direção da cooperativa.

No momento, o prefeito de Araçuaí, Armando Paixão (PT) diz que está fazendo gestões junto ao BNDES e órgãos federais para  a reativação dos projetos. Ele também disse que os empreendimentos foram paralisados por má administração e prometeu “uma gestão mais eficiente”, aproveitando, por exemplo, a grande produção de banana na região.
 
Mais fracassos 

Em 2007, foi implantado em Araçuaí um projeto de criação de peixes na barragem de Calhauzinho, iniciativa da Fundação Rural Mineira (Ruralminas), que atraiu 23 pequenos produtores num sistema de associativismo. O projeto fracassou e os tanques, redes, barcos e outros equipamentos ficaram sem nenhuma utilidade, empoeirados em um depósito. Hoje, a construção onde seria a unidade de abatedouro dos peixes, está abandonada, entregue à ação do tempo, em um terreno no meio do mato, perto da barragem, na zona rural do município (20 quilômetros da área urbana).

O presidente da Associação dos Aquicultores de Araçuaí, José Afonso Silva, lembra que, na época da instalação do projeto, os produtores envolvidos se encheram de esperança de que teriam uma mudança de vida. No entanto, um ano depois do início das atividades, um  choque térmico nos tanques-redes provocou uma grande mortandade de peixes – cerca de 30 toneladas. Depois disso, o projeto entrou em decadência.

 

Berilo e Itinga – Nos pequenos municípios do Vale do Jequitinhonha, o sofrimento provocado pela seca se soma ao desemprego, baixa geração de renda e à saída em massa dos homens para as colheitas de café no Sul de Minas e para o corte de cana no interior de São Paulo.Na manhã de uma terça-feira, em pleno horário comercial, a reportagem do Estado de Minas se deparou com dezenas de homens sentados nas portas de casas e bares em torno da praça onde está localizada a Prefeitura de Berilo. A cena na praça – a mesma em que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi recebido por uma multidão ao passar pela cidade em outubro de 1995 – demonstra a falta de ocupação provocada pela inexistência de opções de trabalho.

“Infelizmente, as pessoas aqui não têm como arrumar emprego. Então, o único jeito é sair para colher café ou cortar cana”, explicou, o secretário de Administração e Planejamento de Berilo, Charles Amaral. Segundo ele, a previsão é que, neste ano, em torno de 4 mil pessoas deixem a região para trabalhar nos cafezais do Sul de Minas e nos canaviais do interior paulista. Entretanto, a saída para o corte de cana, que atinge o seu auge em maio, está ameaçada pela automação, lembra Amaral.

 

Os trabalhadores temporários serão afetados ainda pelas mudanças no seguro-emprego, adotadas pelo governo da presidente Dilma Rousseff dentro das medidas para conter os gastos do governo. “Antes, a gente saía, trabalhava seis meses, voltava e requeria o seguro-emprego. Agora, não podemos mais fazer isso, pois o tempo mínimo para pedir o seguro-desemprego é de um ano e seis meses de trabalho. Não sei como a gente vai fazer’, lamentou o lavrador Adilson Ferreira, morador da comunidade de Brejo, na zona rural de Berilo, que se prepara para viajar ainda este mês com a mulher e dois filhos para uma fazenda de café no Sul de Minas. “Lá na fazenda tem creche para a gente deixar as crianças”, conta Adriana Gomes, mulher de Adilson.

No dia em que recebeu a reportagem, o agricultor Adão Fernandes Rodrigues, da localidade de Água Suja, também na zona rural de Berilo, estava às vésperas de viajar para o trabalho no corte de cana na área de uma usina em São Manuel, na região de Ribeirão Preto (SP). Há 29 anos ele repete a mesma rota, deixando para trás a mulher, Sueli Fernandes Rodrigues, de 42 anos, já acostumada, como outras centenas de mulheres do Jequitinhonha, a ser chamada de “viúva de marido vivo” ou “viúva da seca”.

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