Os mais de 5 mil prefeitos do país entraram no último ano de mandato na mesma – ou em pior – situação em que pegaram as administrações municipais em 2013. A campanha eleitoral promete vir recheada de muitas reclamações e acusações. Como sempre. Só que, desta vez, a quebradeira das prefeituras se intensificou com a crise generalizada do país e o fato é que, não bastassem os problemas financeiros herdados das administrações anteriores, o atual mandato veio acompanhado pelo aumento de despesas sem a contrapartida do incremento das receitas. Como resultado, muitas prefeituras ficaram inadimplentes até mesmo na hora de pagar os salários de servidores e  para fazer obras cobradas pela população, como o simples calçamento de ruas.

Os números da Confederação Nacional dos Municípios (CMN) estão aí para comprovar que o cenário é sombrio. Levantamento da entidade aponta que em 2015 o Fundo de Participação dos Municípios (FPM) encolheu quase R$ 10 bilhões em relação ao montante estimado – as transferências no ano passado foram de R$ 84,262 bilhões e a projeção inicial era de R$ 91,105 bilhões em valores brutos, sem considerar a inflação de 10,55%.  Conforme dados também da CMN, a situação continua se deteriorando neste início de ano. Nos 10 primeiros dias de janeiro, se comparado com igual período do ano passado, houve uma queda de 12,98% nos repasses do fundo. O valor distribuído soma exatos R$ 2.072.013.144,34.

À primeira vista, os mais de R$ 2 bilhões do FPM parecem um valor significativo. No entanto, o montante acaba se diluindo na quantidade de municípios. E, nessa conjuntura, o fundo não dá conta das demandas para investimentos em serviços e obras diversas. No Brasil, em torno de 70% dos municípios têm população de até 20 mil habitantes e dependem quase que exclusivamente do FPM. Em Minas, com 853 municípios, essa dependência gira em torno de 90%.

A queda nos repasses já indicaria por si só uma realidade nada animadora. Mas a escassez de recursos das administrações municipais não se explica apenas com esse viés. Além da queda na receita, os atuais prefeitos acumularam também despesas extras. Basta lembrar que foi no atual mandato, que termina em 1º de janeiro de 2017, que passou a ser obrigatório municípios participarem com recursos na gestão do SUS, em torno de 30% do percentual do dinheiro investido, com 70% sob responsabilidade da União. Além disso, a iluminação pública também é uma despesa que passou a ser debitada na conta das prefeituras, não mais na dos governos dos estados.

Em Minas, as prefeituras esperavam, em 2015, um crescimento de 12% no FPM. Viram, porém, o ano fechar com uma queda de 5% na receita. Durante os três primeiros anos de mandato, alguns fatores levaram os municípios a quedas de arrecadação. Uma delas foi a desoneração concedida pelo governo federal do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), tributo que, com o Imposto de Renda, compõe o FPM.

Há ainda o próprio desempenho da economia, que chegou desde o ano passado em seu ponto mais crítico. “Os que têm alguma receita, como o Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), também tiveram redução grande. No IPVA (imposto sobre veículos), também estamos calculando uma queda em torno de 10%”, afirmou o presidente da Associação Mineira de Municípios e prefeito de Pará de Minas, Antônio Júlio (PMDB).

Além da queda, os prefeitos tiveram que lidar com aumentos de gastos provocados por medidas como o reajuste do salário mínimo, além das altas nas contas de luz, água, telefone e gasolina, que incidem no custeio da máquina. “Com tudo isso, foi preciso cortar serviços e paralisar investimentos e é isso que muitos prefeitos fizeram. Em 2015, a maioria cortou gastos ou não assinou convênios que traziam novas despesas. Hoje, os prefeitos não aceitam construir unidades de saúde ou creches porque não têm dinheiro sequer para a manutenção. A dificuldade vai ser terrível nesse ano”, exemplificou Antônio Júlio.

ACÚMULO DE NOVAS DESPESAS

Ao longo do mandato iniciado em 2012, várias medidas tiveram impacto nas finanças municipais. A técnica responsável pelo Departamento de Economia da AMM, Ângela Ferreti, explica que os gastos são de várias naturezas. Foi imposta aos prefeitos a obrigação de fazer um plano de saneamento básico com o fim dos lixões, por exemplo, e a de fazer projetos para o planejamento de utilização dos recursos hídricos. “Só um projeto desses custa uns R$ 2 milhões”, calcula. Outra sangria veio da necessidade de elaborar planos de mobilidade urbana, que demandam contratação de vários profissionais, como engenheiros e arquitetos. Integrado a ele, as cidades com mais de 20 mil habitantes são obrigadas ainda a ter um programa de gestão do trânsito.

Houve também, em 2015, a transferência da responsabilidade pela iluminação pública para as prefeituras, que passaram a arcar com despesas com custeio e manutenção de luminárias, lâmpadas, relés e reatores, o que traz um custo alto. Outra fonte inesgotável de despesas para os prefeitos é a saúde. A União estabeleceu o piso salarial dos agentes comunitários e o Ministério da Saúde regulamentou quantos serão pagos com verbas federais. O problema, segundo a técnica do setor na AMM Juliana Marinho, é que cerca de 25% das cidades mineiras têm mais profissionais do que o permitido.

Enquanto o estado é obrigado a gastar 12% do seu orçamento com saúde e a União emprega cerca de 10%, as prefeituras têm o índice de 15%. Por causa da judicialização e de eventuais atrasos de repasses, elas gastam em média de 25% a 30% com o setor. E neste ano a necessidade deve ser ainda maior por causa da grande incidência de doenças causadas pelo mosquito Aedes aegypti.

O prefeito de Vespasiano e presidente da Associação dos Municípios da Região Metropolitana de BH (Granbel), Carlos Murta (PMDB), conta que a queda brusca de arrecadação o obrigou a dispensar 20% do pessoal comissionado – ele chegou a decretar calamidade financeira no município. “Houve o empobrecimento dos municípios e, com isso, os prefeitos estão ficando sem capacidade de honrar seus compromissos. Começamos 2016 sem perspectiva nenhuma, sabendo que a coisa não vai melhorar”, afirmou. Para o líder da Granbel, o aumento do salário mínimo e do piso nacional da educação devem ser o principal impacto financeiro neste ano.

TESOURADA INSUFICIENTE

A “quebradeira” atinge em cheio as pequenas cidades, situadas em áreas carentes, que dependem quase que exclusivamente do FPM para se manter. É o caso dos municípios do Vale do Jequitinhonha, uma das regiões mais pobres de Minas e do país, onde a situação também é agravada pela seca, que se intensificou nos últimos três anos. Em Almenara, com 40,1 mil habitantes, a maior cidade do Baixo Jequitinhonha, a prefeita Fabiany Ferraz (PSDB) afirma que, entre outubro e novembro, o FPM – principal fonte de renda do município – teve uma queda de 40%. Para enfrentar a crise, ela reduziu gastos, com dispensa de mais de 100 funcionários contratados e ocupantes de cargos comissionados. Também suspendeu a micareta, carnaval temporão, sempre realizado em janeiro, quando se comemora o aniversário da cidade e que, neste ano, custaria em torno de R$ 250 mil aos cofres municipais.

Mas a tesourada ainda não foi suficiente. “Cortamos as despesas em mais de 30%. Mesmo assim, está difícil honrar todos os nossos compromissos em dia”, declara Fabiany. Ela comemora o fato de ter conseguido pagar o 13º salário e quitar a folha de pagamento dos 1,4 mil funcionários da prefeitura referente ao mês passado. “Muitas prefeituras ainda não conseguiram pagar o 13º salário nem a folha de dezembro”, observa. Por outro lado, lamenta: “No nosso caso, não temos como fazer obras, devido à falta de recursos próprios”.

Em Medina, de 21 mil habitantes, também no Jequitinhonha, no início de 2015, a prefeitura comprou uma usina de asfalto e criou a expectativa de que logo seria dado um fim à poeira e as esburacadas ruas da cidade ganhariam o “chão preto”. Passado quase um ano, as ruas estão em condições ainda mais precárias e o equipamento de fazer asfalto nunca funcionou. “O município vive quase que exclusivamente do FPM. Como a arrecadação do fundo caiu, ficamos sem dinheiro para comprar os insumos para a usina de asfalto, tais como piche (asfalto líquido) e brita”, afirma o secretário de Gabinete, Péricles Batista Machado Júnior.

Ele admitiu que, devido à crise, a prefeitura está deixando de realizar obras de manutenção como reformas e calçamentos de ruas. “Para complicar a situação, a atual administração tem que arcar com o pagamento de dívidas de gestões passadas. Todo mês chega precatório para ser pago”, informou o secretário. O município enfrenta outro drama: desde o início de 2015, a população local convive com o racionamento de água, que chega às torneiras a cada cinco dias, por causa da falta de chuvas e da redução do nível da Barragem do Ribeirão, que abastece a cidade.

Na mesma região, entre outubro e dezembro, a Prefeitura de Coronel Murta, município de 9,3 mil habitantes, funcionou somente meio expediente, como forma economizar para se manter diante da queda do Fundo de Participação. “Tomamos a medida para não deixar restos a pagar para o ano seguinte. Com meio expediente, foram reduzidas as despesas de energia, de água, transporte e combustíveis”, justifica o prefeito Francisco Eletânceo Murta (PMN).

Ele relata que, nos últimos três meses, também dispensou 100 funcionários contratados, com a prefeitura mantendo cerca de 330 servidores. Mesmo com os cortes, Murta ainda tem dor de cabeça para colocar as contas em dia. “Conseguimos pagar o 13º salário, mas agora não sei ainda se vamos ter dinheiro para pagar a folha”, afirmou o prefeito.

LIÇÕES DE SOBREVIVÊNCIA

Mas, apesar da crise que permeia as administrações municipais país afora, há exemplos de que há como sobreviver em meio à dificuldade geral, adotando uma gestão responsável. Na Região Central de Minas, o prefeito de Belo Vale, José Lapa dos Santos (PMDB), recebe a reportagem uniformizado, uma camisa polo azul-piscina com a logomarca da prefeitura. “Todos os servidores usam também para que a população saiba identificar, dentro e fora da prefeitura, quem está trabalhando”, explicou Lapinha, como é mais conhecido na cidade o comerciante, que deixou o negócio de vendedor de produtos veterinários para assumir o cargo.

Existe crise no município? O prefeito responde que a situação está difícil para todo mundo. Houve queda na arrecadação em torno de 6%, se levado em conta o encolhimento do FPM,  fundo que, aliado à colheita da mexerica poncã, faz a máquina pública girar. Na zona rural, onde estão concentrados 56% dos 10 mil habitantes, Belo Vale figura em primeiro lugar no ranking do maior produtor dessa fruta no país.

Político em primeiro mandato, Lapinha diz que a receita para superar a falta de dinheiro é honestidade e definir prioridades. Na saúde, reformou a policlínica, construiu quatro Unidades Básicas de Saúde (UBS) e um centro de fisioterapia; na educação, construiu uma escola e reformou 10. Além disso, calçou ruas, construiu pontes em substituição aos chamados mata-burros e revitalizou praças e canteiros. O prefeito também se orgulha em dizer que economizou recursos para asfaltar a estrada que liga Belo Vale à vizinha Moeda. “Até o fim deste ano, espero ter concluído a obra”, garante. Para ele, nada disso é excepcional. Apenas cumpriu a obrigação de eleito.

Em Pedra Azul, no Vale do Jequitinhonha, o prefeito Daniel Pires Oliveira (PR) também lamenta as quedas do FPM. Mas, ao contrário de seus colegas da região, tem conseguido equilibrar o orçamento, honrar os compromissos e fazer obras. “Temos um bom relacionamento com os governos estadual e federal e conseguimos recursos para obras. Também mantemos em dia o pagamento dos salários dos funcionários e dos fornecedores”, afirma Oliveira. Como receita para o equilíbrio orçamentário, ele cita a manutenção de uma máquina enxuta, com número reduzido de funcionários contratados e de ocupantes de cargos de confiança. “Contamos com cerca de 50 de ocupantes de cargos comissionados e aproximadamente 1,2 mil funcionários, a grande maioria efetivos”, assegura.