Funed desenvolve toxina a partir do veneno de cobra para tratamento do estrabismo
Substância existente em abundância no Brasil pode dar origem a medicamento. Objetivo é a oferta gratuita do remédio pelo SUS
Pesquisadores da Fundação Ezequiel Dias (Funed) trabalham na pesquisa de uma toxina, extraída do veneno da cascavel, denominada Crotoxina, que pode dar origem a um medicamento que combate o estrabismo. O objetivo do estudo é contribuir para melhorar a qualidade de vida de pessoas estrábicas, com a possibilidade de ofertar tratamento gratuito pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Estruturada pelo ex-doutorando da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o oftalmologista Geraldo de Barros Ribeiro, em 1997, a pesquisa conta hoje com a participação de quatro pesquisadores, além de outros profissionais da Funed.
O projeto avança na busca de alternativas para o tratamento da doença, feito hoje a partir da aplicação da toxina botulínica, o Botox. Ele foi retomado em 2013, por meio do Programa de Incentivo à Inovação (PII) do Sebrae-MG, em parceria com a Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior de Minas Gerais (Sectes).
“Não é recente este trabalho, todavia, estava um pouco parado. Com o PII podemos retomar a pesquisa e colher resultados muito interessantes”, afirma a farmacêutica e pesquisadora da Funed, Ana Elisa Ferreira. Diante dos resultados, a pesquisadora garante que a aplicação da Crotoxina tem ação semelhante à do popular Botox.
Ao ser aplicada, a Crotoxina age como um bloqueador neuromuscular, o que causa paralisia transitória do músculo e, consequentemente, um relaxamento muscular parcial. Para o tratamento do estrabismo, esse efeito é importante por ajudar na restauração do equilíbrio dos músculos que controlam o movimento dos olhos.
Além do mais, a toxina pode até ser usada em casos em que a pessoa cria anticorpos que combatem o Botox, fazendo com que ele pare de ter efeito no tratamento.
Outro fator positivo está relacionado à duração dos efeitos da aplicação da Crotoxina. “Diante dos testes, percebe-se que os efeitos parecem ser mais duradouros, o que torna as aplicações menos frequentes, contribuindo para a redução do número de aplicações ao longo do tratamento”, afirma Ana Elisa.
Busca por investidores
Ao ser produzido a partir do veneno da cascavel, animal que tem grande incidência no Brasil, o medicamento poderá apresentar baixo custo e garantir tratamento a um maior número de pacientes.
“As condições são favoráveis, pois além de ser facilmente encontrada no país, a matéria-prima (veneno da cascavel) poderá ser tratada por uma das entidades que mais dominam a técnica de purificação do veneno para a obtenção da Crotoxina, a Fundação Ezequiel Dias”, comemora a pesquisadora.
Com este cenário, os cientistas estão em busca de investidores e financiamento de diversos órgãos para a continuidade do projeto. “Temos grande expectativa de entrar no SUS com o medicamento, mas para isso é preciso dar seguimento à pesquisa com a realização dos estudos não clínicos, e futuramente com os exames em humanos”, afirma Ana Elisa.
A doença e o tratamento
Para que a visão seja prefeita é preciso que os olhos estejam alinhados. Quando as pessoas são acometidas pelo estrabismo, os olhos perdem o equilíbrio e a sincronia, o que afeta o paralelismo entre os dois olhos. Esse paralelismo é mantido pelos músculos que prendem o globo ocular, e são esses músculos que a são alvo da ação da Crotoxina.
O tratamento do estrabismo pode ser feito de maneiras diferentes, seja com intervenções cirúrgicas como também pela aplicação das injeções de Botox. Com a Crotoxina, a rotina do tratamento seguirá o mesmo parâmetro e as aplicações serão feitas conforme a necessidade de cada paciente. “O tratamento irá respeitar as necessidades dele até que o músculo aprenda a funcionar sozinho”, afirma Ana Elisa.
Com este procedimento, o paciente não precisa faltar ao trabalho e nem gastar grandes quantias com internação, uma vez que a aplicação do produto é simples e rápida. “O estrabismo pode acabar e a pessoa voltará a ter uma vida normal, sem a vergonha eventualmente causada pela presença da doença”, conclui a pesquisadora.
O que é o PII
O Programa de Incentivo à Inovação (PII) estimula a criação de tecnologias, produtos e processos inovadores para o mercado a partir do conhecimento gerado nas instituições de ensino. Em nove anos, 15 programas já foram realizados no Estado, com 280 projetos de pesquisa selecionados e publicados.
Até 2014, o programa teve investimento de cerca de R$ 23 milhões, captados de órgãos de fomento, investidores, venda de patentes e transferência de tecnologia.
Desde quando foi apresentado aos pesquisadores da Funed, em 2013, o PII já beneficiou 17 projetos da instituição, entre eles, a pesquisa liderada pela farmacêutica Ana Elisa Ferreira. Todos receberam recursos para a construção de protótipos e para o desenvolvimento de plano de negócio.