Vilarejo fantasma do Vale do Jequitinhonha renasce com novos moradores
Depois do abandono dos anos em que os donos de uma antiga tecelagem buscavam comprador único, 30 casas são vendidas. Vilarejo já tem pousada, restaurante e aguarda hotel e vinícola
De uma “cidade” quase fantasma no Vale do Jequitinhonha a um condomínio misto, com residências, hotéis, restaurantes, museu, lojas e uma futura vinícola. Esse é o novo perfil da bucólica vila de Biribiri (buraco fundo, em tupi-guarani), tombada pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha), a 15 quilômetros do Centro histórico de Diamantina e a 350 de Belo Horizonte.
A tradicional família Mascarenhas, do ramo de tecelagem, vendeu 30 das 33 construções do povoado, erguido em 1877 para sediar uma fábrica de fiação. O projeto vingou, no primeiro momento: havia 1,2 mil moradores no auge da linha de montagem. Mas, em 1973, a empresa não resistiu ao alto custo da produção e fechou as portas. O número de habitantes despencou: três adultos e uma criança residiam lá nos últimos anos.
Desde então, os Mascarenhas tentaram negociar Biribiri no atacado. À falta de um comprador que desembolsasse alguns milhões de dólares, a família optou por vender os imóveis no varejo. Cada um saiu entre R$ 100 mil e R$ 200 mil. Agora, Biribiri tem mais 30 donos. Apenas a igreja católica, o galpão da fábrica e a casa-grande (moradia do gerente da empresa) não mudaram de mãos.
Quem chega à vila percebe as mudanças. Betânia Novaes e Glícia Winders adquiriram o imóvel que um dia foi dormitório dos operários. Nele, montaram uma aconchegante e bem equipada pousada, com 12 apartamentos e capacidade para 28 hóspedes.
“Biribiri ganha nova cara. Um museu será aberto perto daqui. Há um projeto para uma vinícola e outro para um hotel, com 60 apartamentos”, revela Betânia, que considera positiva a chegada de mais um hotel ao lugar. “Afinal, somos parceiros comerciais.”
Outro empreendimento já em operação foi aberto pela família de Carlos Ferreira. Os pais dele compraram o antigo armazém, que agora é um restaurante cujo carro-chefe é o frango ao molho pardo. “Dá para servir seis pessoas e custa R$ 90. Meu pai foi funcionário da fábrica. Morei aqui quando pequeno. Conhecemos o lugar como poucos. É agradável, bonito... Tenho forte ligação com Biribiri”, faz questão de contar o dono do novo negócio.
ELO
Boa parte dos novos proprietários, aliás, tem forte vínculo afetivo com o lugarejo.
Um deles é o administrador Juscelino Brasiliano Roque, que sente orgulho em contar que seu nome homenageia o ex-presidente Juscelino Kubitschek (1902-1976). “JK era amigo da família. Tenho um telegrama enviado por ele no dia do meu nascimento, 21 de abril de 1960, data da fundação de Brasília”.
O xará do ex-presidente está à frente da Associação dos Moradores da Vila do Biribiri. Ele adianta outro ponto comercial que será aberto em breve: “Cederemos um espaço para uma instituição de caridade interessada em montar uma lojinha. Deverá ter rotatividade (na exploração do lugar), é um contrato por tempo previamente determinado”.
Juscelino garante que os visitantes continuarão bem-vindos ao lugarejo, mas pondera a implantação de regras, como local reservado ao estacionamento de veículos. Também está proibido som alto no local. “Biribiri nunca será fechada para a população, como nunca esteve. Mas agora há regras”. Para os moradores e empresários, ficou definida a manutenção da fachada dos imóveis nas cores branca e azul.
INSPIRAÇÃO
A escritora Ângela Lago também comprou uma casa no povoado. O contato com a natureza lhe dá inspiração para o novo livro, a ser entregue à editora em setembro. “Será baseado na flora.” Ela e os outros moradores desembolsam R$ 200 mensais, a título de condomínio. Todos os meses, até dezembro, eles pagarão mais R$ 200 mensais para a reforma de um imóvel que ajudará a fomentar a economia do lugar.
Trata-se do casarão que servirá de palco para festas, reuniões e pequenos eventos. “A primeira coisa que fizemos no povoado foi a captação de água e o escoamento. A barragem foi restaurada. Colocamos dois cruzeiros nas montanhas e fixaremos mais seis. O historiador Wander Conceição, um dos mais importantes do Brasil, está nos ajudando”, finalizou Juscelino.