População do Vale do Jequitinhonha sofre com o caos na saúde
Hospitais não terminados e dificuldade de atendimento são apenas alguns dos problemas enfrentados pela população
O acesso à saúde é um dos principais obstáculos enfrentados pelos moradores do Vale do Jequitinhonha. No entanto, obras na região que teriam a finalidade de amenizar esse drama estão abandonadas ou sem serventia alguma, por falta de recursos, e até hospitais já prontos tiveram as portas fechadas. Moradores de vários municípios precisam deixar suas cidades em busca de atendimento ou percorrer longas distâncias dentro delas e esperar vários dias por uma simples consulta.
Um dos retratos da penúria na área de saúde está em Itinga. Sempre que há necessidade de internação, pacientes do município de 14.400 habitantes têm que ser levados em ambulâncias para cidades vizinhas – Araçuaí, Itaobim ou Teófilo Otoni.
Uma dificuldade conhecida de perto por pessoas como Fabiana de Brito, de 35 anos, obrigada a viajar com o marido diabético sempre que ele precisa de atendimento hospitalar. “Há pouco tempo, tive que arranjar uma ambulância para levá-lo para Itaobim (a 40 quilômetros de Itinga). Ele ficou 15 dias internado lá”, relata a moradora.
Numa situação paradoxal, Itinga é uma das poucas pequenas cidades da região que possui um hospital, o Santa Edwirges. Mas, há seis anos, a unidade, construída há 15, está fechada, com vidraças quebradas, equipamentos enferrujando e mato crescendo ao seu redor.
Em março de 2004, ao visitar Itinga para inaugurar a ponte sobre o Rio Jequitinhonha, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) prometeu colocar em funcionamento a unidade, fechada à época por causa de um impasse entre a gestão municipal e a entidade filantrópica responsável por ela, a Fundação São José de Água Branca. A solução passaria pelo credenciamento do hospital pelo Ministério da Saúde. De fato, o Santa Edwirges foi reaberto em 2004, mas funcionou até 2009, quando interrompeu as atividades por falta de verbas.
Atualmente, parte do prédio é ocupada por um laboratório de análises clínicas do município. O prefeito de Itinga, Adhemar Marcos Filho (PSDB), disse que, sem os recursos do governo federal para o custeio, não tem como reabrir o hospital. “A gente nunca teve a ousadia de tentar isso, porque o município não tem condições”, afirmou, anunciando que pretende instalar uma policlínica para atenção básica no prédio. O chefe do Executivo municipal criticou a “falta de interesse” do governo federal pelo tema. “É lamentável que a obra permaneça fechada, como um elefante branco”, afirmou.
Consultado pela reportagem, o Ministério da Saúde disse, por meio de nota, que “o estabelecimento não atende pelo Sistema Único de Saúde (SUS)” e afirmou que as unidades do setor no município “são geridas pelo governo de Minas Gerais".
O texto diz ainda que “até o momento, o Ministério da Saúde não recebeu pedido de recursos para habilitação de serviços de assistência de média e alta complexidade no município de Itinga”. Já a Secretaria de Estado da Saúde esclareceu que a unidade não está elencada entre os hospitais contemplados pelo Programa Estadual de Fortalecimento e Melhoria da Qualidade dos Hospitais do Sistema Único de Saúde (Pro-Hosp) e que seus leitos eram custeados por seguros e planos privados de saúde.
Paralisação de unidades vira rotina
Coronel Murta e Itamarandiba – Começar obras na área de saúde e interrompê-las por falta de verbas ou erros de projeto é quase rotina no Vale do Jequitinhonha.
Coronel Murta é um dos vários exemplos dessa situação. Com 9.300 habitantes, o município espera a conclusão de obras interrompidas no setor. Uma delas é a reforma e ampliação da Unidade Básica de Saúde (UBS) Carlito Murta, na área central da cidade, iniciada em abril de 2014, com previsão de término em agosto do mesmo ano. Porém, a obra, avaliada em R$ 275 mil, apenas foi iniciada e parou logo em seguida. O mesmo ocorreu com a ampliação de outra UBS na cidade, no Bairro Maria da Glória, no valor de R$ 120 mil.
Segundo o secretário de Saúde do município, Horácio Aguilar, os serviços não tiveram continuidade porque o Ministério da Saúde liberou apenas parte dos recursos necessários. O Ministério confirma a suspensão dos repasses depois de ter liberado R$ 174 mil para uma obra de construção e quatro de ampliação de UBS na cidade. Segundo a pasta, não foram cumpridos critérios para o recebimento de novas parcelas, demandando diligências nas obras, mas o problema já foi sanado e novo repasse está sendo providenciado.
Em Itamarandiba, a Unidade Básica de Saúde (UBS) do Bairro São Geraldo está entregue à ação do tempo há mais de seis anos, cercada pelo mato e pelo lixo. Também está sendo “depenada” por moradores, que já carregaram grande parte do telhado.
De acordo com o atual prefeito, Erildo Gomes (PSDB), seu antecessor, o ex-prefeito Tom Costa (PSB), não deu continuidade às obras iniciadas na gestão anterior à dele, solicitou à Secretaria de Estado de Saúde, responsável pelo repasse de recursos, uma “tomada de contas especial” e encaminhou denúncia ao Ministério Público Estadual, suspeitando de erros no projeto.
O impasse , somado a uma ação na Justiça movida por morador que se diz dono do terreno destinado à UBS, impede a retomada da obra, afirma o prefeito.
Enquanto isso, moradores vizinhos da obra abandonada sofrem com a dificuldade para o atendimento à saúde. É o caso da doméstica Silésia Aparecida Matos, de 30 anos. “Para gente conseguir atendimento aqui demora de 30 a 45 dias”, alega Silésia, mãe de cinco filhos, que se desloca até o hospital municipal na área central da cidade para consultas. Outra vizinha do “esqueleto” da construção da UBS, a aposentada Geralda de Fátima Martins, de 75, também lamenta o abandono da obra. “A gente sofre muito com a falta de médico”, diz.