Miro e o sonho que virou boneco
Representante da nova geração do mamulengo de Carpina, Miro busca sustentabilidade e autonomia para a sua arte.
Por Nice Lima.
Carpina, distante cerca de 50 km do Recife, zona da mata norte de Pernambuco, deu ao mundo bonequeiros ilustres como o Mestre Solón, falecido em 1987 e, o ainda em atividade, Mestre Saúba. No município, é ainda conhecido o trabalho de Zé Galego, e, na região do Vale do Capibaribe, Zé de Vina, da cidade de Lagoa de Itaenga; e Zé Lopes, de Glória do Goitá. Recentemente, um representante da nova geração vem chamando a atenção por onde passa, ou melhor, os bonecos de Miro é que andam enchendo os olhos de crianças e adultos nas feiras, exposições e apresentações das quais o mamulengueiro participa no Brasil e no exterior.
Dono de uma voz mansa e de jeito tímido, Ermírio José da Silva, mais conhecido como Miro dos Bonecos, de 44 anos, natural de Carpina, viveu muitos anos no Sítio Santa Teresinha, próximo ao município, e, aos sete anos de idade, aprendeu sozinho o ofício que mais tarde daria notoriedade ao bonequeiro. A arte, Miro aprendeu a admirar quando, pequeno, ia “a rua” - centro da cidade de Carpina - e via o mamulengo do Mestre Sólon. “Eu então, desenhava o boneco no cabo da vassoura e depois cortava , fazia as roupas com meia, botava uma mangueira e brincava”. A madeira macia usada nos cabos das vassouras de piaçava no Nordeste, Miro utiliza até hoje para produzir seus bonecos; outra madeira utilizada é a mulungu, mesmo com o crescente controle em relação à extração da madeira, que não vem sendo encontrada com tanta facilidade.
Os bonecos representam para a família de Miro a única fonte de renda. Todos têm suas tarefas bem definidas na atividade: filhos, cunhados, cada um tem sua função. O trabalho de Dona Maria José, esposa do bonequeiro é essencial, é ela quem lixa, põe os cabelos, costura as roupas. Além da produção dos bonecos, Miro, há quase dez anos, tem o seu Mamulengo Novo Milênio, e com ele se apresenta nas festas do município, em geral nas Festas de Reis, São João ou perto do Natal. Uma particularidade: é comum que, mesmo aqueles que têm mamulengos (empanada onde se representam com os bonecos) costumem negociar, comprar bonecos de outros mestres, de outros locais. Mas também há aqueles que sejam somente bonequeiros, artesãos que produzem bonecos. Miro tanto é bonequeiro, quanto é mamulengueiro, leva para as brincadeiras as peças que ele mesmo produz. A atividade do mamulengo já foi mais comum quando os televisores não eram tão frequentes nos lares. No meio rural, ele representava uma das formas mais utilizadas para levar informação às comunidades mais afastadas. Os personagens - Janeiro, Quitéria, Simão, Mane Bacaru, entre outros – travavam diálogos de caráter ora jocoso, ora obsceno e repletos de moralidade. Uma encenação com mamulengo, seus bonecos e bandinha (na maior parte das vezes formada por triângulo, pandeiro, caixa e acordeon) era um grande acontecimento, podendo a festa se estender até o dia clarear.
Seja através da tradicional encenação do mamulengo ou com as novas formas de se relacionar com um mercado do artesanato, participando de grandes eventos e reinvestindo no seu ofício, Miro busca dar sustentabilidade à atividade que desenvolve, buscando levar a sua arte a novos públicos. É uma arte que não pode parar, pois, cada vez que vem em mente uma figura, ela precisa ganhar vida, se transformar em boneco. É como o próprio Miro diz: “todo dia eu tenho que fazer boneco, senão eu fico doido”.