Duas visitas que a Comissão Extraordinária das Águas da Assembleia Legislativa de Minas Gerais fez na segunda-feira (2/6/14) nos municípios de Salinas e Coronel Murta  no Vale do Jequitinhonha se transformaram em atos de repúdio à construção de um mineroduto que utilizará as águas do Rio Jequitinhonha, represadas pela Hidrelétrica de Irapé.

 Parlamentares e participantes de movimentos sociais de municípios que serão atingidos pela obra denunciaram que o empreendimento pode agravar ainda mais o problema da seca na região.

 Em Salinas, o encontro foi realizado de manhã, no Centro de Convenções da cidade e contou com aproximadamente 200 pessoas.

 A reclamação geral é de que a Agência Nacional de Águas (ANA) já liberou a outorga para que a empresa Sul Americana de Metais (SAM), do grupo Votorantim, utilize 1,6 metros cúbicos por segundo da hidrelétrica, para transportar o minério até o porto de Ilhéus (BA).

 De acordo com o gerente de Planejamento Energético da Cemig que esteve no local, Jean de Carvalho Breves, o volume para a mineradora será destinado dos 5,06 m3/s que atualmente a hidrelétrica libera para outros usos que não a geração de energia, como, prioritariamente, para consumo humano e de animais. A previsão é que esse limite de retirada seja ampliado para 6,98 m3/s em 2015, ou seja 1,92 m3/s a mais que o atual.

 A indignação dos participantes é de que grande parte do volume atualmente direcionado para usos múltiplos seja outorgado para um único empreendimento. “Hoje, o volume de Irapé pode ser suficiente para essa demanda, mas estamos enfrentando mudanças de clima e redução do nível de chuvas. É inseguro e até irresponsável disponibilizar essa água para a mineração, correndo o risco de impor privações sérias à população” - criticou o presidente da comissão, deputado Almir Paraca (PT).

 O deputado Rogério Correia (PT) apontou ainda outro problema que considera grave: o mineroduto vai cortar nove municípios mineiros – Águas Vermelhas, Berizal, Curral de Dentro, Fruta de Leite, Grão Mogol, Novorizonte, Padre Carvalho, Salinas e Taiobeiras – e o Decreto Lei Nº 30, de 22 de janeiro de 2014, publicado pelo então governador Antonio Anastasia, declara de utilidade pública as terras por onde vai passar.

 Segundo ele, o mineroduto é subterrâneo e por isso por onde passa praticamente não se pode cultivar nada, apenas plantas de raiz muito rasas. “Minas Gerais já tem preocupação com os recursos hídricos e essa região já sofre com pouca água. Como então transportar o minério via água?”, indagou o parlamentar.

 Ele e os outros participantes defendem o uso de ferrovia, que também poderia ser utilizada como via de transporte de pessoas e de outros produtos.

 Rogério Correia informou que é autor de um Projeto de Lei que tem por objetivo revogar o decreto, mas ressalvou que será difícil aprová-lo na ALMG porque o número de deputados da base do governo estadual é bem superior aos da oposição. “Precisamos nos mobilizar”, sugeriu aos manifestantes.

 O deputado federal Padre João (PT/MG) lamentou que a região já foi prejudicada com a construção da hidrelétrica – que, segundo ele, inundou terras agrícolas, contaminou a água do rio e provocou muitas doenças – e será mais uma vez lesada por um empreendimento que levará o minério para fora do País. “Vão gerar emprego na China”, reclamou.

 Sugestões

 O representante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Felipe Ribeiro, lembrou que o projeto do mineroduto ainda não tem licenciamento para funcionar e sugeriu ampliar o movimento para pressionar o Ibama a não liberar o empreendimento. “Não queremos mineração e nem mineroduto”, disse ele.

 A sugestão foi acatada pelos deputados presentes, que se comprometeram a articular contatos com os órgãos ambientalistas para evitar a implantação da obra.

 A mobilização das populações das cidades atingidas também foi a proposta do representante da Pastoral da Terra de Montes Claros, Alexandre Gonçalves.

 Ele denunciou que uma mineradora foi implantada em Riacho dos Machados sem o consentimento da população, provocando muitos danos ambientais. “Se não houver mobilização, vão enfiar nossa goela abaixo esse mineroduto”, previu.

 Ele também sugeriu que os prefeitos dos municípios por onde passará o mineroduto revoguem as declarações de conformidades assinadas por seus antecessores para a implantação do empreendimento.

 Já o prefeito de Salinas, Joaquim Neres Xavier Dias (Kinca), solicitou mais apoio dos deputados para impedir a implantação do mineroduto. Ele sugeriu uma reunião com todos os prefeitos da região para definir ações conjuntas contra o empreendimento.

 O projeto

 De acordo com informações do site da SAM, o Projeto Vale do Rio Pardo prevê, ainda, a implantação de uma área de mina e uma planta de beneficiamento, para produzir e transportar 25 milhões de toneladas de ferro por ano com 65% de teor de ferro.

 O mineroduto, de aproximadamente 482 quilômetros, atravessará 21 municípios nos estados de Minas Gerais e da Bahia - e uma área de porto no sul da Bahia.

 Passeata mobiliza população em Coronel Murta

 Na parte da tarde, os três deputados petistas participaram de uma passeata, em Coronel Murta.

 Cerca de 500 pessoas participaram do ato, atravessando as ruas do centro até a ponte sobre o Rio Jequitinhonha, que está praticamente seco. Boa parte do leito está descoberto e a água atinge pouco mais que o calcanhar de um adulto.

 Os manifestantes gritavam palavras de ordem e cantavam músicas contra o mineroduto que vai usar mais água do rio para levar o produto até o sul da Bahia. “Este é o nosso País/ esta é a nossa bandeira/ é por amor a essa pátria, Brasil/ que a gente segue em fileira”, cantavam os manifestantes , acompanhados por olhares curiosos dos moradores da pequena cidade de 9 mil habitantes. Participaram do ato trabalhadores rurais, representantes de movimentos sociais ligados à proteção à terra e à agua, como sindicatos, Movimento dos Sem Terra (MST), MAB e Via Campesina.

 Às margens do rio, os deputados repetiram a preocupação com o empreendimento e reforçaram a disposição de, junto com as populações, lutar para evitar a concretização do projeto.

 Eles receberam um documento elaborado por representantes das entidades que se reuniram durante a manhã na cidade. A carta rechaça a construção do mineroduto e apresenta reivindicações para a região como a implantação da reforma agrária, o transporte do minério por ferrovia e a formação de uma comissão deliberativa, formada por representantes da população e gestores públicos para diagnóstico e planejamento o uso das águas do Rio Jequitinhonha.

 O documento foi lido pelo representante da Via Campesina, Erikson Jardim, e da representante do MAB, Aline Ruas.