O velho sobrado almenarense
Economista Evandro Miranda (*)
Foi a residência de Antenor Sena (falecido em 1957), cuja foto com sua família compõe, em primeiro plano, o painel deste artigo. Dele, também faz parte a lateral direita do antigo Largo da Matriz.
Refiro-me à Praça Bendito Valadares, cuja solenidade de emplacamento, por ocasião da instalação de Vigia (hoje Almenara), foi uma homenagem ao Governador que assinou o Decreto Emancipacionista de 1938.
No quarteirão entre a Travessa da Liberdade e a Rua 7 de Setembro, desponta-se o sobrado. Lá, vivem as irmãs Luciana e Joana Sena. Esta última, com quase 90 anos, é uma memória viva de Almenara. Embaixo dele, funcionou a loja da Nacional, Aerovias e Real, sob o comando do agente aeroviário Epitácio da Costa Aquino (casado com Zeni Sena).
Destaco que, após a inauguração do Aeroporto Cyrillo Queiroz, em 1950, a cidade dispôs de voos diários para BH e Salvador, que eram operados por aviões do tipo douglas (DC-3). Depois, os avros da VARIG.
Em outra loja do sobrado, funcionou a redação do jornal O Vigia, que é o marco inicial da imprensa regional. Foi fundado por Olindo de Miranda em junho de 1930.
Na esquina da antiga travessa, de um lado, avista-se a loja e residência de Severiano Cardoso (conhecido como Sivico). Em parceria, Sivico, Olindo de Miranda e J. C. Duarte montaram uma frota com cerca de 50 canoas. Navegaram pelo Rio Jequitinhonha, entre Belmonte e Araçuaí, no início do século vinte.
Na outra esquina, desponta a loja de Virgílio Almeida. Depois, foi vendida para Adalto Moura e Peri Tupi. Esta loja e a de Sivico já foram as maiores da cidade. Seguia-se o Bar Marajoara, adquirido por Antônio Mendes pelas mãos de Nicácio Correia e Chico Bessa.
À esquerda do sobrado, ficava a loja de Manoel de Nina – um dos maiores contadores de piadas naqueles tempos. Sua loja foi transferida para a beira do rio no porto das barcas. Ele também era proprietário do mangueiro, que ficava adiante do lado esquerdo da Rua São Francisco.
Na sequência, havia a Delegacia de Polícia e o Bar Continental, que foi montado por Wandelino Almeida e, posteriormente, vendido para Messias Mendes. E, adiante, a loja de Mílton Otoni.
No final do quarteirão, fica a casa onde morou Dr. Américo Fonseca (1º Promotor de Justiça). Também foi a residência do pioneiro Cel. Pedro Antônio da Fonseca (detentor de patente da Guarda Nacional).
Sobre a família Sena – é um dos baluartes do Protestantismo almenarense. Junto a outros fiéis tiveram ativa participação na fundação da 1ª Igreja Presbiteriana por volta de 1950. A histórica igrejinha, ainda em pé, fica situada na antiga Rua do Meio (depois Rua Rui Barbosa).
O caramanchão e o coreto – compõem também o painel deste artigo – conferiam à praça aspecto típico de uma época. Refiro-me ao Estado Novo, o regime implantado por Getúlio Vargas, no final de 1937, que deu concretude a longa e dura luta pela emancipação política de Almenara.
Ambos os adornos foram demolidos desnecessariamente, assim como o palacete do benemérito Cel. Deraldo de Brito Guimarães, o casarão da Prefeitura e o Hotel Pacheco – o primeiro de São João da Vigia.
Estas demolições constituíram-se verdadeiros desastres de natureza cultural, resultando no apagamento de marcos simbólicos da evolução urbana da cidade. É a oportunidade para alertar que Almenara carece de uma política voltada à preservação de suas raízes, de modo a evitar novas perdas de memória.
Urge, portanto, promover o tombamento das construções mais antigas, assim como a preservação de autênticas manifestações populares. É preciso evitar que a cidade perca sua identidade histórica e cultural.
Não se trata de saudosismo. Tão pouco pretendo cultuar as cinzas do passado. A proposta é um chamamento, sobretudo, aos mais jovens para que tomem a História de Almenara em suas mãos. Isto diz respeito ao fortalecimento da cidadania. Trata-se, portanto, de um tema mais do que atual.
(*) Bacharel em Ciências Econômicas pela Faculdade de Economia da Universidade de São Paulo (FEA-USP) e Pós-Graduado em Didática de Ensino Superior (UNEB-DF). É Analista Financeiro do SERPRO – Serviço Federal de Processamento de Dados e ex Coordenador-Geral da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda