Danos psicológicos, importunação sexual, assédio... Crimes e agressões que ocorrem historicamente contra as mulheres no meio político, enfim, começam a ganhar compreensão na sociedade e denúncias formais no legislativo. O fim desse tipo de violência - presente da direita à esquerda - ainda está longe, mas cada vez menos elas se calam e as vozes dão dimensão ao problemas estrutura. Em pleno 2021.Imagine uma vereadora, em pleno exercício da função, durante uma votação, escutar de um colega que ela "tem tesão" nele. É repugnante até cogitar tal situação, mas o caso se tornou alvo de denúncia de importunação sexual, assédio moral e quebra de decoro na Câmara Municipal de Porto Alegre.

"Acabei de ouvir do vereador Alexandre Bobadra (PSL) que tenho 'tesão' nele, uma típica demonstração do machismo que nós mulheres somos submetidas", escreveu a vereadora da capital gaúcha Bruna Rodrigues (PCdoB). "Que a Câmara de Vereadores é um espaço hostil às mulheres eu já sabia. Talvez alguns homens desse lugar é que não sabem que sou do tipo das que não leva desaforo pra casa. Medidas estão sendo tomadas", finalizou, antes de protocolar a denúncia na Comissão de Ética da Câmara local."Nada de novo sob o sol. Não há uma conquista feminina que não tenha vindo com muito esforço. E elas são resultado da união de mulheres em prol dos nossos direitos, ainda que algumas se digam antifeministas. É bom lembrar que, se elas votam e podem ser eleitas, é fruto da luta do movimento feminista", analisa Maria Carolina Medeiros, professora, doutoranda na PUC-Rio e pesquisadora da socialização feminina.

A cada 10, 9 sofrem violência

O percentual choca - apesar de não surpreender: a cada 10 mulheres que concorreram às prefeituras de capitais no ano passado, nove afirmaram ter sofrido violência nas eleições. Essa é uma das conclusões de levantamento feito pelo jornal O Estado de São Paulo com as 50 mulheres que disputaram o Executivo municipal em 2020.

A maior parte (46,7%) disse sofrer ataques com frequência. Do total, 88% afirmam ter sofrido violência política de gênero nas eleições de 2020 e 72,3% acreditam que os episódios prejudicaram a campanha. A violência psicológica é a mais recorrente (97,7%) e a internet é o espaço onde as mulheres são mais atacadas (78%), seguida da campanha de rua (50%).

"'Ter o direito de' é muito diferente de criar o ambiente necessário e dar ferramentas que de fato possibilitem o acesso. O papel social da mulher sempre esteve ligado à esfera privada, ao lar e à família, enquanto os homens ocupavam a esfera pública'', afirma a pesquisadora Maria Carolina Medeiros.

A estudiosa pontua que o direito ao voto foi conquistado em uma história recente e que a representatividade política ainda é mínima. "Quando olhamos pra História, é fácil constatar: política nunca foi espaço da mulher. A violência, real ou simbólica, é mais uma forma de dizer às mulheres que o nosso lugar não é ali". A doutora em Ciência Política e professora da UFMG Mara Telles ainda complementa ao dizer que mulheres correspondem a pouco mais do que a metade da população brasileira e a participação delas tem crescido no mercado de trabalho, na ciência e nas artes. ''Contudo, a participação feminina não ocorreu na política, pois sua representação nos legislativos não corresponde a sua presença em diversos outros setores, o que dificulta a democratização'', pontua.

'Danos psicológicos'

E o desgaste para se manter nesse cargo ainda é um dos principais dificultadores. Isso porque a violência política contra a mulher pode ter um impacto que vai além das mulheres que a sofrem diretamente, pois tem como o objetivo diminuir o alcance de sua atuação.