CORONAVÍRUS: Servidores do IFNMG de Salinas transformam resíduos da fabricação de cachaça em álcool líquido e gel
A ideia da produção do álcool surgiu em abril, após uma reunião do Comitê de Enfrentamento ao Coronavírus do IFNMG com o diretor do campus Salinas, Wagner Patrício
Uma iniciativa de uma equipe de servidores do Instituto Federal do Norte de Minas (IFNMG) está transformando os resíduos provenientes da fabricação da cachaça em álcool 70% dos tipos líquido e gel, indicados pelas autoridades de saúde para a prevenção ao novo coronavírus. Os participantes são voluntários e chegam a trabalhar 16 horas por dia.
O processo é feito na Fazenda de Práticas Santa Izabel, localizada em Salinas, cidade conhecida como a “capital nacional da cachaça”. Desde que a produção começou, já foram entregues 2.600 litros de álcool líquido e 250 quilos do em gel para várias Prefeituras, hospitais e instituições. Todo o processo é feito conforme as determinações da Agência Nacional de Vigilância Sanitária.
“A legislação estabelece a cachaça como o produto obtido da destilação do mosto fermentado do caldo de cana de açúcar, com teor alcoólico entre 38% e 48%. Quando o processo é iniciado, sai o que chamamos de cabeça, que tem teor superior. Quando é finalizado, temos a cauda, com percentual inferior aos 38%”, explica de forma simplificada Rafael Correia de Oliveira, idealizador da iniciativa.
A existência de outros componentes também é levada em consideração para determinar o que é ou não subproduto da bebida. Os resíduos passam por processos de destilação e diluição, resultando em álcool líquido 70%. Para fazer o gel, é adicionado um outro produto.
A ideia da produção do álcool surgiu em abril, após uma reunião do Comitê de Enfrentamento ao Coronavírus do IFNMG com o diretor do campus Salinas, Wagner Patrício.
“Inicialmente, fez-se um levantamento da demanda de álcool 70% seria necessária de devido à grande dificuldade de aquisição no mercado”, fala Felipe Cimino, responsável técnico do projeto e docente do curso de Engenharia de Alimentos e Tecnologia em Produção de Cachaça, único no mundo.
Salinas, a capital da cachaça
A produção inicial usava os subprodutos resultantes de experimentos feitos na fazenda de práticas e que eram guardados para estudos futuros. Como a região tem tradição em produzir cachaça, o projeto passou a contar com a parceria da Associação dos Produtores Artesanais de Cachaça de Salinas (Apacs). Dois mil litros de cabeças e caudas foram doados. A expectativa é que o número aumente com o início da safra, que começa em maio.
Edilson Viana, vice-presidente da Apacs e professor do curso de Tecnologia em Produção de Cachaça, explica que os resíduos da cachaça têm duas destinações mais comuns e que são ambientalmente corretas: A produção de álcool combustível, que não pode ser comercializado e precisa de uma estrutura com equipamentos avaliados em aproximadamente R$ 20 mil; ou a diluição em grandes quantidades de água, para uso posterior na irrigação de canaviais junto com a vinhaça (outro subproduto rico em nutrientes).
Uma terceira alternativa seria pagar para que uma empresa especializada fizesse a coleta dos subprodutos, o que também tem um custo.
“O IFNMG conseguiu uma finalidade para algo que, para nós produtores, é o resíduo da nossa atividade. Ver que isso está sendo utilizado como matéria-prima para outro produto, em falta no mercado e indispensável diante da pandemia, nos deixa muito satisfeitos. Nos solidarizamos com todas as causas da região e saber que podemos contribuir é extremamente gratificante”, fala Viana.
A Apacs tem 27 associados, que produzem mais de três milhões de litros de cachaça por safra. A maior parte é vendida no Brasil. A estimativa é de que pelo menos 50 produtores se dediquem à atividade em Salinas. Na região, o número é muito maior e ultrapassa as centenas.
Edilson Viana explica que a cachaça de Salinas ganhou fama por meio de Anísio Santiago, fundador de uma marca tradicional, cuja garrafa é vendida a R$ 300.
“Digamos que ele fazia questão de produzir e vender rápido. Há histórias de pessoas que queria comprar duas caixas e conseguiam apenas uma garrafa. Nisso, a bebida ficava armazenada em dornas de madeira. O produto envelhecido, apresentava uma qualidade superior. Todo mundo queria comprar com ele e os produtores da região passaram a observar o que ele fazia. Essa concorrência saudável acabou gerando um nivelamento de qualidade e a cachaça de Salinas ganhou destaque no Brasil e no mundo”, fala.
Parcerias em prol da comunidade
Por meio das parcerias, a produção tem aumentado e está indo além dos subprodutos da cachaça. As Prefeituras que estão sendo beneficiadas também ajudaram com contrapartidas. As administrações colaboraram com materiais e mão-de-obra. Foram beneficiadas as Prefeituras de Salinas, Taiobeiras, Berizal e Santa Cruz de Salinas; outras 10 poderão receber os produtos. A Santa Casa de Montes Claros, maior hospital da região, também recebeu o álcool produzido pelos servidores do IFNMG.
Uma empresa de alimentos ajudou com a aquisição de embalagens de diversos tamanhos e outros insumos, além de prestar auxílio com os testes microbiológicos do gel produzido.
O vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) - regional Vale do Jequitinhonha, José Balbino de Figueiredo, assinou um termo de anuência determinando a doação de 10 mil litros de álcool etílico para diluição, além de mais de duas mil embalagens e rótulos. Com o material, a distribuição poderá ser ampliada.
Um das instituições beneficiadas pelo projeto é o Lar Santa Clara de Salinas, vinculado à Sociedade São Vicente de Paulo. Trinta e cinco idosos da região do Alto Rio Pardo são assistidos atualmente, a capacidade é para 38.
“Acolhemos idosos com vínculos fragilizados, com a família e com a sociedade. São pessoas em situação de vulnerabilidade. Prestamos um serviço no âmbito da assistência social e a entidade é filantrópica”, explica Elaine Araújo, que trabalha como assistente administrativa no local.
Com os preços do álcool subiram com a alta demanda, o Lar enviou um ofício pedindo a doação. “Pelo valor, a compra seria difícil e o produto acabaria ficando inacessível”, destaca Elaine.
O Lar Santa Clara recebeu sete quilos de álcool em gel e 30 litros do líquido, que estão sendo utilizados para higienização, garantindo mais uma forma de prevenção ao coronavírus.