A trajetória de dez anos da Insensata Companhia de Teatro passou por diversas etapas até o grupo começar a entender qual seria, de fato, sua identidade. A pesquisa do coletivo sobre infâncias rendeu seus dois últimos espetáculos: “Memórias de um Quintal” e “Pru-ti-ti: Memórias de Estimação”. Agora a Insensata se prepara para estrear um novo trabalho, ainda em 2019, completando a trilogia voltada para as crianças. “Eu não diria que fazemos espetáculos infantis. Fazemos trabalhos que são livres para qualquer público. Uma das coisas mais bonitas é perceber que conseguimos criar conexões com as memórias do público adulto, mas também criar interesse para os mais novos, por meio dos jogos propostos”, pondera Brenda Campos, integrante da companhia.

Após os primeiros anos explorando diferentes linguagens artísticas, a Insensata resolveu se aproximar mais do público infantil. A decisão se deu, principalmente, porque os artistas se depararam com uma produção “pobre” direcionada para os mais jovens. “Nós fomos jurados do prêmio Sinparc na categoria teatro infantil, e nos deu uma angústia perceber que os espetáculos eram, praticamente todos, com apelo comercial, com excesso de didatismo ou com forte cunho moral”, relembra Keu Freire, outro integrante do coletivo. Além dele e de Brenda, Claudio Marcio e Dário Marques fazem parte da Insensata.

A pesquisa partiu para a exploração de outras possibilidades narrativas e estéticas. Entre elas, dramaturgias que fugissem às fábulas clássicas (contos de fadas ou histórias da Disney) e aos formatos dramatúrgicos lineares de começo, meio e fim. “Não queremos menosprezar a capacidade de formulação das crianças”, destaca Freire. Ele ressalta que, além da abordagem mais contemporânea da linguagem, a criação horizontal é outra marca registrada do grupo, com processos colaborativos compartilhados.

A Insensata teve a “sorte” de encontrar os livros do mineiro Wander Piroli, que aborda temáticas consideradas tabu no universo infantil, entre elas a morte. “É triste pensar que as crianças não fazem parte da vida ou privá-las do mundo dos adultos. O teatro é uma possibilidade de formulação estética que pode ajudar, inclusive, no momento em que a criança tiver de conviver com a morte, por exemplo”, formula Brenda.

“Lemos as obras do Piroli até chegar a uma que seja consenso; depois de escolhido o texto, passamos a compartilhar memórias despertadas por ele; e, finalmente, essas narrativas começam a nos oferecer imagens para nossa criação cênica”, detalha Freitas. O novo trabalho, ainda sem nome, se inspira na obra “Os Rios Morrem de Sede”, também de Piroli. Além das narrativas do escritor mineiro, os artistas buscam as infâncias vividas por eles próprios. “É ‘infâncias’, no plural. Porque não é possível pensar que infância seja uma, única. Eu cresci em Belo Horizonte, nos anos 80. O Keu nasceu no Vale do Jequitinhonha, na década de 90. Nós não tivemos as mesmas experiências. Tudo na minha vida está atravessado por essa temática. Eu fiquei grávida durante os ensaios de ‘Memórias de um Quintal’ (2014)”, pontua Brenda. Ela, inclusive, desenvolve um mestrado no qual estuda, justamente, as pluralidades da infância. “A infância não é apenas um momento cronológico na vida, mas sim um fenômeno constituinte do humano. Nosso trabalho pensa no atravessamento das infâncias em todos, uma fruição universal. As infâncias são muitas e coexistem”, completa.

Reverberação

Além de buscar outras possibilidades para o próprio trabalho, a Insensata Companhia de Teatro lançou, no começo de 2019, uma chamada pública para o Festival Nacional de Arte para Infâncias (Fenapi), que vai selecionar 12 espetáculos, sendo quatro da região metropolitana de Belo Horizonte, quatro do interior do Estado e outros quatro de outros Estados. Também organizou duas oficinas e uma palestra com o crítico e dramaturgo Dib Carneiro Neto.

A chamada pública, que se encerrou no fim de janeiro, contou com 180 inscritos. A previsão é que o festival aconteça em abril deste ano. “Existe realmente uma defasagem dos espetáculos infantis. Em Belo Horizonte, por exemplo, não temos um evento específico voltado para as infâncias. Vez ou outra, dentro de algum outro festival, temos um recorte”, analisa Freire.

Trajetória

A Insensata nasceu com outro nome, Carapiá, como um agrupamento de ex-alunos do Teatro Universitário. O coletivo experimentou diversas linguagens, desde o teatro popular na rua, passando pela performance e o político.

2017 – “Pru-ti-ti: Memórias de Estimação”

2014 – “Memórias de um Quintal”

2012 – “Vulgaridades Sublimes” Direção de Marcelo do Vale

2014 – “Elisteu conta Marilu”

2013 – “A Praça Dr. Sem Graça”

2009 – “A Rainha do Rosário”